Os adolescentes e a automutilação

Por Thaís Mariana, Instituto Deep

Observamos no mundo contemporâneo que uma prática vem se tornando muito frequente entre os adolescentes, sobretudo entre as meninas: o cutting, ou a automutilação. Trata-se de uma conduta auto lesiva, onde o indivíduo provoca cortes e escarificações em seu próprio corpo, sem a intenção suicida e sem características de perversão sexual.

Claro que não é possível apresentarmos uma leitura unificada e determinista acerca desse sintoma, já que os sintomas sempre carregam a comunicação de um conflito psíquico que se dá no território da psique de cada indivíduo. Porém, a partir da escuta clínica dos adolescentes praticantes do cutting e do legado teórico construído por Freud, podemos elaborar hipóteses bastante consistentes acerca da prática.

A fala dos adolescentes que tem por hábito a automutilação é comumente permeada pela tentativa de descrever uma sensação de angústia que não encontra nomeação que a contemple, que não encontra lugar no espaço (físico ou psíquico) e nem recursos psíquicos suficientes para sua simbolização. É essa angústia, que causa muito sofrimento e não consegue se emoldurar pela palavra, que o adolescente automutilador tenta descarregar no próprio corpo. Assim, no ferimento provocado a angustia passa a ter localização geográfica, intensidade, nome – podendo, dessa forma, culminar em uma sensação de descarga da tensão que vinha sendo experienciada pelo adolescente em sofrimento. O próprio Freud apontou para a possibilidade de haver relaxamentos desprazerosos para a tensão, o que justificaria a sensação de alívio vivenciada pelo indivíduo após essa prática.

Outra fala bastante comum entre os automutiladores refere-se à sensação de prazer que eles experimentam através da dor e das características imagéticas do auto lesionar-se (corte, ferida, sangramento etc.). Em seu texto “O problema econômico do masoquismo”, Freud postulou a existência de um masoquismo primário, de origem erógena, e referiu que “toda dor contém em si a possibilidade de uma sensação prazerosa”. Daí a experiência quase orgástica descrita por muitos adolescentes automutiladores.

Em personalidades narcisistas podemos considerar, ainda, a tentativa de receber provisão através dos olhares de condolências, de estranhamento, de piedade, de cuidado. Por se tratarem majoritariamente de adolescentes, podemos tecer também elaborações acerca do trabalho de luto que está sendo realizado em relação ao corpo infantil de outrora, que possibilitará a produção de um corpo adulto (o que nem sempre se dá em consonância com o tempo psíquico do indivíduo para conceber e simbolizar essa mudança).

A prática exige tratamento, claro, sobretudo pelos riscos que acarreta à saúde do indivíduo. Porém, consideramos que toda e qualquer terapêutica que venha a ser utilizada não pode buscar aplacar o sintoma abdicando de alcançar, junto ao adolescente, uma leitura da comunicação que ali está se colocando: o sintoma tem um porquê que, se acessado, pode solucionar conflitos psíquicos daquele sujeito, reduzindo seu sofrimento e possibilitando assim a elaboração da sensação de angústia que originou a prática auto agressiva. A psicanálise, caracterizada por ser a “cura pela fala”, tem se mostrado uma ferramenta de excelência para lidar com os sintomas aqui descritos.

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