Por Thaís Mariana, Instituto Deep
Sempre que nos sentimos amedrontados por algum estímulo ameaçador, seja ele de origem interna ou externa, nossa reação é uma só: buscamos estratégias para nos defender e, assim, diminuir o nível de excitação que o estado de medo provocou em nosso psiquismo.
Atualmente, vivemos um momento histórico em que todos nós estamos sob uma grande ameaça: uma pandemia gerada por um novo vírus, que ameaça fragilizar nosso sistema de saúde, nossa estabilidade financeira, nossas relações, nossa rotina, nossa saúde física e psíquica, nossa sobrevivência. Essa ameaça recai da mesma forma sobre toda a humanidade (claro que com impactos bastante diversos, tendo em vista a desigualdade social em que vivemos) e evidencia as diferenças individuais na estruturação dessas estratégias de defesa.
Enquanto a pandemia afetava a China e alguns países da Europa, o que se pôde observar no Brasil foi um uso massivo do mecanismo de negação: “o problema é lá na China”, “não vai chegar aqui”, “é que na Itália está muito frio”, “é uma estratégia econômica do governo chinês”. A partir do momento em que a pandemia de fato chegou ao Brasil, muitas pessoas abandonaram esse tipo de defesa, mas, ainda assim, muitos se mantiveram em negação: “é só uma gripe”, “já encontraram uma medicação eficiente”, “é tudo uma invenção da imprensa”, “sigamos trabalhando normalmente”.
Assim, o que vimos foi uma diferenciação na forma como cada indivíduo lida com o tema: atualmente, podemos observar (de forma generalista) dois grupos bem distintos: os que se mantém em negação, desacreditando, diminuindo e até ironizando os dados estatísticos sobre a evolução da doença, e os que saíram da negação e, não sem dor, estão vivendo todos os lutos que são necessários para se adequarem a essa nova situação – o luto pela liberdade perdida, pelo trabalho de antes, pela privação do encontro com familiares e amigos, pela mudança na rotina habitual, pela estabilidade financeira agora em risco e até por planos e perspectivas futuras que perigam não se concretizar.
Para Freud, o trabalho de luto termina quando o ego se conforma com a perda, retira a energia que outrora era investida no objeto perdido e a reinveste em outro objeto. É disso que precisamos agora: nos conformar para podermos desinvestir de um passado recente que não vivemos mais, adaptarmo-nos ao novo modus vivendi que está se colocando diante de nós e, quiçá, conseguirmos investir nossas energias para nos colocarmos, empaticamente, ao auxílio de quem, ainda numa constituição egóica bastante frágil, não consegue administrar as mudanças comportamentais que tanto são necessárias atualmente.
O luto é um trabalho psíquico que passa, inevitavelmente, pelo sofrimento. Saúde psíquica não é sinônimo de felicidade plena. A meta do “felizes para sempre” só é possível de ser sonhada no lugar do não-saudável, do não-amadurecido. A negação é dos mecanismos de defesa mais primitivos, que denotam significativa fragilidade egóica. Há que se buscar um lugar de enfrentamento ao desagradável, ao ameaçador: manter-se em negação, no momento em que vivemos, é apartar-se da responsabilidade comunitária de cuidarmo-nos uns dos outros. A cada um de nós, cabe a reflexão: “o que há de tão frágil em mim, que me impede de lidar com a realidade como ela é, de elaborar as perdas inevitáveis e de viver verdadeiramente em comunidade?”.