Príncipe encantado não existe? Então eu invento!

Por Thaís Mariana, Instituto Deep

Nossas primeiras concepções acerca de um relacionamento amoroso estão permeadas de muitas idealizações: o príncipe e a princesa, o mocinho e a mocinha, o “felizes para sempre”, a tampa da panela, a metade da laranja, a alma gêmea e por aí segue. Mas basta caminharmos poucos passos na vida real dos relacionamentos amorosos que outra verdade se impõe: encontrar alguém que me complete parece impossível!

O fato é que nenhum ser humano real preencherá com completude as expectativas que criamos com base em idealizações: não há maniqueísmo em se tratando de pessoas reais; não há o apenas bom e nem o apenas mau – o que há é a ambivalência. Isso quer dizer que o “príncipe encantado” do mundo real será, ao mesmo tempo, bom e mau; trará, ao mesmo tempo, gratificações e frustrações a quem se dispuser a amá-lo de forma madura.

Essas observações conversam com os conceitos Kleinianos de objeto parcial e objeto total. Para a autora, o bebê, em sua imaturidade psíquica, não consegue perceber a mãe em sua totalidade: há uma percepção parcial da figura materna, que cinde o contato com a mãe em duas experiências parciais – o seio bom, que nutre e satisfaz o bebê prontamente, e o seio mau, que frustra o bebê durante um tempo de espera até a oferta do alimento. Conforme o bebê se desenvolve de forma saudável, ele vai percebendo que o seio que alimenta e o seio que frustra são, na verdade, uma única e mesma pessoa – a pessoa total “mãe”.

Ao buscarmos o “príncipe encantado”, nos colocamos nessa posição bastante primitiva do desenvolvimento humano: acreditamos ser possível estabelecer uma relação amorosa que nos nutra e nos satisfaça prontamente, na qual jamais viveremos frustrações. E, quanto mais fixados estamos nessa forma parcial de relacionamento, mais subsídios vamos criando para nos manter nessa posição: nos cegamos ao que há de desagradável no outro, nos submetemos em concessões infinitas e negamos a realidade para não lidarmos com o bom e o mau que há no outro. Ou seja: se o príncipe encantado não existe, eu o invento fantasisticamente!

Se as princesas fossem menos frágeis, certamente não seriam felizes para sempre. Ao invés de viverem um amor puro, completo e eterno, teriam que lidar, inevitavelmente, com seu amor e seu ódio em relação aos seus príncipes (que não seriam mais “encantados”). Esse é o ônus – ou seria o bônus? – de vivermos um relacionamento real (o único saudavelmente possível). Relacionar-se de forma saudável é dar conta de amar e odiar uma mesma pessoa, vivendo, assim, a dor e a delícia de sermos humanos.

Inscreva-se aqui